por Adolpho Queiroz
Bendita seja a professora dona Neiva , que lecionava Educação Artística no “Moraes Barros”, nos anos 80. Benditos sejam todos os professores que sabem diplomaticamente fechar os olhos para a complexidade e o conteúdo das suas disciplinas, para encontrarem num canto qualquer da sua sala de aula , um talento e deixa-lo cultivar suas virtudes. Assim nascem os poetas, os pintores, os músicos e… os cartunistas.
Assim, como também lecionava geometria – e via que o desenhista da sala saia-se melhor com desafios gráficos do que com os números, permitia que ele, a partir de um titulo dado, criasse livremente as suas visões sobre as hipotenusas da vida.
Do apoio ora escondido, ora escancarado da professora, ele foi aportar nos traços do colega Renato Alexandrino de Souza, que adorava desenhar aviões de guerra. E lá foi o nosso menino a desenhar caças, Migs, Hercules, Tucanos e similares. Com traços cada vez mais finos.
Não aguentou as guerras e rumou para o território da paz. Paz ? Mas com Amor. Paz e Amor ! Aí vieram as capas de discos de grandes conjuntos de rock dos anos 70 e 80, como Kiss, Iron Maiden ,Led Zeppelin, copiadas e recriadas com capricho. Felizmente nosso roqueiro teve vida breve.
Enquanto isso, Piracicaba via passar pelas páginas dos seus jornais, grandes talentos do humor gráfico, do desenho, da caricatura. O expoente, por longos anos, foi sem dúvida Edson Rontani, com seu personagem sobre o Nhô Quim, comentando jogo a jogo a performance do time do coração da cidade. Douglas Mayer, Fausto Longo, Renato Wagner, o artista Sálvio que caricaturava as pessoas na praça central, José Inacio Coelho Mendes e tantos outros com passagens mais ou menos marcantes pelas páginas dos nossos diários e semanários.
Depois, o menino de Santa Maria da Serra ficou apaixonado pelas coisas que via e com os autores que encontrava todos os anos na cidade, quando da realização do nosso Salão Internacional de Humor. E hoje, após frequentar por vinte anos as páginas do Jornal de Piracicaba, tem certamente uma das atividades mais difíceis da imprensa : fazer rir e pensar, chova ou faça sol, se o seu Corinthians ganhou ou perdeu, se o preço da luz subiu ou desceu, se tem “franguinho na panela” como cantam César e Paulinho, se o cheque especial estourou ,se está doente, se na família está tudo bem ou não, a sua obrigação é vender alegria, esperança, força, mas também cutucar os que ridicularizam a vida com suas posturas intransigentes e nem sempre éticas.
De menino observador a menino produtor de arte, passaram-se vários Salões, em Piracicaba e em outras cidades brasileiras, onde viu sua obra ser premiada. Vieram os salões no Irã, no Peru. Vieram outras atribuições na comissão organizadora do salão de Piracicaba. Mas o que não se perdeu foi a admiração pelo traço, pelo roteiro, pela genialidade de Laerte Coutinho, ou só Laerte, ou mais recentemente, Shyrlei ! Dele veio a inspiração para o trabalho. Dele e dos seus amigos Angeli, Glauco e da revista “Chiclete com banana” que marcou época para a jovem geração de artistas piracicabanos que emergiu com o Salão. Além deles, a admiração profunda pelas caricaturas do excepcional Sebastian Kruger.
Contudo, o que há de mais excepcional na obra de Erasmo Spadotto é justamente o tempo de permanência, com uma publicação praticamente diária e sempre, sempre mesmo, nas páginas do Jornal de Piracicaba. As duas primeiras décadas se passaram com uma rapidez incrível, mas dentro do projeto escolhido lá atrás por dona Neiva, que o livrou das aulas de geometria e como o poeta Drumond, lhe suspirou nos ouvidos : “Vai menino, ser gauche na vida!” Que bom termos perdido um geômetra e ganhado um cartunista, quadrinista, ilustrador gente boa e competente como ele.
Pedi, por fim, ao diretor do JP, o Marcelo Batuíra, para que ele me explicasse este fenômeno de longevidade. Sabem o que ele disse ? “Para mim, uma charge vale por mil palavras. Nela você encontra resumida: a informação, a crítica, o humor fino e a mais pura arte. Isso não pode faltar ao jornalismo. E o Erasmo sabe fazer isso como ninguém.”
Adolpho Queiroz, é pós doutor em comunicação pela UFF, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie e presidente do Conselho Consultivo do Salão Internacional de Humor de Piracicaba.adolpho.queiroz@