Na Flip, Laerte e Angeli relembram início da carreira no Salão de Humor

Da Folha Ilustrada

Numa mesa extra desta Flip, iniciada às 21h30 do sábado (7), os cartunistas da Folha Angeli e Laerte debateram os limites do humor e o esgotamento de personagens, lembraram histórias da juventude e comentaram a amizade com o também cartunista Glauco (1957-2010).

A conversa, mediada por Claudiney Ferreira, do Itaú Cultural, começou “técnica”, com uma discussão sobre o termo “humorista”, mas logo avançou para um bom anedotário dos dois, amigos há quatro décadas.

Questionado sobre ter ou não ultrapassado limites do humor, Laerte lembrou que certa vez criou um bandoleiro que sofria de Alzheimer. “Ele entrava numa cidade para matar uma pessoa e não lembrava bem quem era, e a população ajudava.”

Familiares de portadores de Alzheimer escreveram reclamando. “Eles têm razão, mas também tenho. É preciso respeito, mas é preciso não sacralizar as coisas. A sacralização é uma forma de desrespeito também”, disse.

Os dois mostraram opiniões diferentes sobre o humor feito nos dias de hoje. “Tem que ter liberdade de ação e expressão, mas nem tudo o que vejo no humor é bacana. Essa coisa de ‘stand-up’ em alguns momentos me incomoda pelo apelo baixo”, disse Angeli.

Foi a deixa para Laerte comentar que, do ponto de vista humorístico, o “stand-up”, se bem feito, é uma espécie de evolução. “O humor que o Costinha fazia, por exemplo, ficava muito distante da vida dele. Essa forma técnica e americana de conduzir a piada cria um clima de penumbra que é interessante para o discurso humorístico. Quem está falando, o Rafinha Bastos pessoa real ou o comediante?”

ESGOTAMENTO

Laerte contou que, ao contrário de cartunistas como os irmãos Caruso ou Robert Crumb, ele não é obsessivo com desenhos. “Tenho problema com desenhar, gostaria que o desenho se fizesse sozinho. Queria ter uma espécie de chip na cabeça para desenhar para mim”, disse.

Angeli, pelo contrário, disse que gosta de complicar cada vez mais o desenho. “Já aconteceu de eu complicar tanto que não sabia mais por que tinha começado a desenhar.”

O criador da Rê Bordosa disse que anda perdendo a memória recente (“Fumei muito orégano na vida. E estou me aproximando dos 60 anos”). Duas vezes durante a conversa disse ter esquecido o que estava contando no meio da história.

Os dois concordaram que os personagens têm um tempo de vida. “Você levou muito a sério a morte da Rê Bordosa. Personagens podem morrer várias vezes”, disse Laerte. “A verdade é que a gente não deve acreditar em tudo o que vê nos quadrinhos”, brincou. Disse que, quando o personagem se esgota, simplesmente para de desenhá-lo.

TRANSGÊNERO

Questionado por uma pessoa do público sobre ser machismo ele ter passado a se depilar depois que assumiu a condição de transgênero, Laerte lembrou que há um tipo de transgênero nos EUA, chamado “gender fucker”, que “adota qualquer expressão de gênero numa mistura livre, homens com salto e perna peluda”.

Acho que é necessário estar muito à vontade com a condição transgênero para sair com a característica masculina dos pelos e uma indumentária feminina. “É uma ideia estética desafiadora.”

Depois, os dois se lembraram da juventude e de como logo se identificaram um com o outro e se tornaram amigos. Angeli lembrou que a repressão da ditadura acabou permitindo que surgisse o Salão de Humor de Piracicaba, onde seu trabalho chamou a atenção de uma cartunista que o recomendou para a Folha.

Angeli lembrou que, tempos depois, resolveu indicar Glauco, a quem conheceu no Salão de Piracicaba, para trabalhar na Folha também.

“Simpatizei com a figura dele, o jeito, o trabalho. Ele tinha uma leveza, era um ripongo’. Levei-o para mostrar seus desenhos na Folha. De repente fico sabendo que há um problema no banheiro da Redação e descubro que o Glauco foi acender um baseado antes da entrevista e foi pego pelos seguranças”, contou.